“Tan…tan”. “Tan…tan”.
A insistência do agoniante e perturbador barulho da velha geladeira da cozinha parecia aumentar o ritmo e a provocante forma com que arrancava minha quase falecida paz.
Olho ao redor e vejo as paredes, da própria cozinha e, às vezes, do meu quarto e logo penso no outro lado, o outro lado da casa, onde repousa, de certo acordado, meu pai inquieto com o mesmo e familiar barulho que sempre surge a nos atormentar.
O barulho da geladeira guarda um segredo, mas ouso pensar que provavelmente guarda mais de um, outro segredo que também mora no outro lado, no outro lado da casa… O barulho da geladeira me provoca, me namora e me choca.
Às vezes me provoca, com sua resistência em ser tão sutil aos outros e tão ensurdecedor para mim e para o outro… o outro lado da casa.
Mas também me namora devido sua frieza nada morta, engatilhando meu pensar e o faz mirar sem parar na imensidão do inquieto mundo que se abriga em pensamentos soltos que rondam meu pensamento desatento, lento, sorrateiro e “confuzento”. Me namora porque me cativa, porque me prende em sua lembrança, porque me sacode até as entranhas, porque me chama, me põe a pensar, sem parar, no segredo que ele guarda e que não posso mais negar.
Mas além de me provocar e, de certo namorar, ele também me choca porque sei que por trás daquela porta, do outro lado, do outro lado da casa, ele também provoca, namora e choca outro pensar…que guarda um segredo e qual, afinal, será?
Porque, no fim, não importa, a verdade choca, porque seja lá o que guarda, esse barulho tem nome, ânsia e fome e não me deixa repousar.
Ah…esse barulho…lento e agudo que insiste em nos rodear, queria eu que fosse só o barulho de uma geladeira velha a se deteriorar.
Mas o barulho, o infernal barulho, sabe bem de quem é lar…
O grunhir, o infinito, familiar e insistente grunhir da geladeira é onde se esconde o diabo a me matar.
19 de março Hanna.H
9 Comentários
Cleberson
Legal!
Hanna
Obrigada!
Hanna.H
Gostei da crônica. Não entendi o porquê das rimas em uma crônica. Se fosse em uma prosa poética… O segredo, o enigma se mantém até o final. Achei bacana isso.
Cairo
Gostei da crônica. Não entendi o porquê das rimas em uma crônica. Se fosse em uma prosa poética… O segredo, o enigma se mantém até o final. Achei bacana isso.
Hanna
Obrigada pelo comentário! É uma crônica poética!
Laura
Parabéns, bem interessante e intrigante, prende o leitor.
Hanna
Obrigada, Laura!
Lucas
Profundo e robusto! Interessante sua linha de pensamento e inteligência na escrita.
Hanna
Agradeço pelas palavras, Lucas!