Futuca Cuca

Viver é comer

Acordo e convido os meus pés a tocarem o chão e o meu corpo a sair de seu repouso para caminhar por tantos cantos.  Minha mente começa seu árduo trabalho de encarar as adversidades do dia. Ao fim das horas de sol, o cansaço é dado ao corpo e à mente são dados os sonhos corriqueiros.

Nesse vai e vem de dias e noites, despertares e amanheceres – percebo a vida como a fome por viveres exatamente como a fome por comer.

Comer é vital, crucial, cotidiano…

Viver, então, é a mais pura crucialidade de nossos dias.

Acordamos, respiramos, conversamos, trabalhamos para viver pelo que vivemos. Viver é tão próprio dos nossos dias quanto o ato de comer. Viver uma experiência que nos agrada: é como devorar um prato da nossa comida preferida. É capaz até de tirar o fôlego! Assim que vivemos a tal experiência, criamos uma tal memória, como aquele cheiro nostálgico de um certo aperitivo com ares da infância e amor de mãe ou vó.

Viver, comer…

Encaro uma experiência, como assisto um prato de comida.  Seja sendo atraída ou recusando às vezes. Mas, quando aceito vivê-la, algo novo nasce em mim.

Um prato à mesa me espera. Ao vê-lo posso desejá-lo ou desprezá-lo, sem nem ao menos prová-lo. Assim é a maneira como vemos certas ocasiões, pessoas e oportunidades. Se aceitarmos a prova, podemos nos surpreender, positiva ou negativamente, como ocorreu com  seu doce preferido. A sua predileção é sua porque um dia quis prová-lo, sentir seu gosto. De uma prova também surge na memória aquela comida que lhe provoca alergia, porque um dia foi provada. Só sabemos, verdadeiramente, do que gostamos e detestamos depois da prova, da comida, da vivência…

No fim do momento, um novo sabor transformado em um novo sentir refletido em mim para ganhar uma gaveta do meu “guardar memórias”.

Uma comida não agrada apenas o paladar, agrada o corpo também, a sua saúde e a vitalidade.  Algumas nutrem mais do que outras. Algumas fazem mal. E assim é tudo na vida.  Há certos desprazeres em viver, nem todas as passagens vividas nos nutrem de bons pensamentos e emoções, existem as que costumam causar dor e indisposição, mas todas, absolutamente todas, nos ensinam. Só soube do sabor intenso e picante do gengibre quando o provei, só saberei se a porta que se abre me levará ao abismo ou ao céu quando abri-la.

Há poder para julgar e, para isso, nos servem cada pré-conceito, porém só saberemos a verdade da natureza do que se julga, quando vivermos, provarmos, comermos, engolirmos e digerirmos. Somente depois perceberemos se aquilo que escolhemos nos sacia, se mata alguma inquietação constante. Do mesmo modo que um alimento a fome mata, ou nos agrega ao pensamento e a plenitude de quem somos.

A vida me ensinou a desejar mesas fartas dos mais variados pratos. Nem todos bons, mas igualmente memoráveis. Desejo a diversidade para conhecer mais e mais e de mil sabores, escolher os mais distintos e supremos. Desejo muito a se provar, um prato cheio, cheio de tudo e que, não reste ao final, nada muito especial a desejar.

Hanna da Hora

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